Bastidores

Entrevista com José Carlos Goulart, um dos organizadores do encontro "Amigos para Sempre", realizado em Julho de 2012.
 
Evento Amigos para Sempre / Foto: Whelighton Garcia
 
 
Como, quando e qual o motivo levou a iniciativa desse Encontro? 
Surgiu da simples ideia do Luiz Paiva de comemorar seu aniversário com os amigos, numa reunião simples e despretensiosa que aconteceu no camping local. Infelizmente não pude participar porque tinha compromisso em São Paulo. Foram poucos os participantes, até porque os convites foram diretos e dirigidos apenas àqueles que eram possíveis de serem localizados rapidamente. A maioria eram moradores locais e frequentes visitantes da terra mãe. Felizmente alguém teve a brilhante iniciativa de fotografar o evento. Fiquei emocionado de rever, ainda que por fotos, antigos e queridos amigos que tinha perdido o contato. Foi animador imaginar que o evento poderia ser repetido, independente da comemoração do aniversário do idealizador.
 
Em que momento percebeu que a "brincadeira" passou a ser um evento?
A repercussão do primeiro encontro foi bem significativa e um detalhe chamou a atenção: Só havia homens na reunião. A "mulherada", especialmente as parceiras dos ilustres convidados reivindicaram seus direitos de participação em futuros eventos da natureza. E isso foi imediata e automaticamente respeitado. Elas estavam lá, e mais uma vez não pude participar. De última hora recebi visita inesperada de amigos que vivem na Europa e não poderia abandoná-los à própria sorte por aqui. A reunião continuou com caráter informal e despretensiosa, como da primeira vez. Mas já houve adesão de outras pessoas, que constam da agenda do Paiva. E novas fotos aumentaram ainda mais meu desejo de participar. À partir disso, resolvi criar uma lista de discussão via email, reunindo nesta a agenda inteira do Luiz e a minha, que já era bem significativa. Foi muito legal. As pessoas abraçaram a ideia, começaram a participar, mandar fotos, textos, brincadeiras, lembranças fantásticas de todas as formas e principalmente descobrindo e incorporando novos elementos. Criei um blog, uma comunidade no Orkut (até então a primeira e única rede social), e publiquei vários textos que me mandaram, muitas fotos e isso motivou a criação de outras comunidades por outras pessoas, o que favoreceu uma espécie de intercâmbio e a pretensão é de que isso se "universalize" entre nossa gente. Usamos toda essa "mídia" intensamente para promover o terceiro encontro, que o Alberto Barbalho teve a feliz ideia de denominar "Amigos para sempre". Sem preocupação com originalidade ou qualquer pieguice, a denominação caiu no gosto da galera. E esse encontro foi um grande evento. Imagino que tenham comparecido mais de 50 pessoas. Talvez uma das maiores emoções que senti na vida. Passamos o dia inteiro juntos, até a noite e parecia que ninguém queira ir embora dali. Nunca mais.
 
Comente sobre a participação dos amigos nesse período.
Interessante isso. Por todas as razões imagináveis, nem sempre podemos participar de todos os eventos, se bem que nunca mais perdi nenhum. Ajeito minha agenda do ano todo, em função dessa única data. Por conta disso a cada ano aparecem pessoas que nunca haviam participado e sentimos muito a ausência de outros que são habituais presenças. É legal notar que aqueles que estão afastados da terra há muito tempo e perderam quase que totalmente o contato com a origem, surgem meio desconfiados, normalmente sozinhos, com receio de não serem reconhecidos, especialmente deles próprios não reconhecerem ninguém (aconteceu comigo) e inevitavelmente a integração é instantânea, emocionante e absolutamente marcante. Aí eles voltam. E trazem seus pares. Seus múltiplos. Seus aderentes. Sua alegria de participar de algo tão simples quanto nobre. E que seja eterno. Que não deixem a ilusão morrer. Jamais.
 
Na edição 2012, qual o momento mais emocionante?
Em todos os encontros, são indescritíveis as emoções sentidas, especialmente por conta da rotatividade de pessoas e sempre a presença de alguém que nunca tinha participado. É um exercício interessante de memória (a minha infelizmente é péssima). Encontrar o motoqueiro do globo da morte (que você conhece) foi bem legal, nunca poderia imaginar que o cara fosse se enveredar por artes circenses que acho simplesmente fantásticas. Recebê-las no nosso encontro e ter a pretensão de que façam parte integrante e permanente desse grupo também é muito gratificante, especialmente porque somos infinitamente agradecidos por ajudarem na preservação definitiva da nossa memória histórica.
 
Acabam se tornando uma única família, numa época em vivemos relações muito mais virtuais do que presenciais. Qual a receita para se manter laços de amizade por gerações?
Não há segredo algum. Como a própria pergunta já responde, são laços realmente familiares. E intensos. Tipo de relação que costuma perdurar porquanto duremos aqui sobre esse planeta. De toda forma aquela tal lista de discussão continua ativa em tempo integral, hoje um pouco menos intensa, mas tudo que ocorre de novidade ou lembrança significativa é distribuído imediatamente para conhecimento de todos e aberta para manifestação de quem quer que seja. Isso acho que ajuda manter acesa a chama.
 
Comente a história do reencontro com sua amiga na praia. Exemplo do "nada é por acaso".
No último feriado de Páscoa, em Peruíbe no litoral sul de São Paulo, tomávamos sorvetes na praça principal, quando ouvimos uma dupla de músicas sertanejas iniciando sua apresentação num palco fixo do local. Chamou a atenção porque os caras são bons. Faziam coreografia na apresentação umas meninas vestidas como ciganas. Isso me remeteu ao passado, já que uma das minhas amiguinhas de infância tinha se tornado cigana, já há muito tempo. E certamente não a via desde o início dos anos 70. Comentei com minha mulher e o casal de amigos que nos acompanhavam. Em seguidas duas garotinhas de 7 a 10 anos passaram por ali vendendo cds dos músicos que estavam se apresentando. "Entrevistamos" as gurias e ficamos sabendo que eles efetivamente são ciganos, moram na região e a família inteira é composta de artistas, sendo que a maioria deles estava naquele show. A matriarca chama-se Maura. Era ela. Só podia ser ela, imaginei. E era. Foi um encontro memorável, emocionante, inesquecível. Nos reconhecemos sem nenhuma dificuldade depois de tanto tempo. Apresentamos nossas famílias e amigos, trocamos endereços, juramos nunca mais nos dispersarmos. E assim será feito. Infelizmente por questões culturais, Maura de informou que não pode retornar à terra natal, por isso dificilmente teremos a honra de sua companhia em nossos eventos na santa terra. Maura Piemonte (nome de solteira) tem residência fixa em Peruíbe, uma família lindíssima e cheia de talentos, filhos, netos, genros, noras e adjacentes todos comungando da mesma forma de viver. Certamente toda vez que houver uma oportunidade irei visitá-los.
 
Tanto os organizadores como os participantes do "Encontro Amigos para Sempre" podem contribuir de alguma maneira na valorização da cultura local da cidade?
Sem dúvida que podem. Aliás, algumas coisas já foram feitas. Há algum tempo participamos ativa e efetivamente do lançamento do livro do grande mestre Carlos (Carlito) Cunha "Salto Grande do meu tempo e outros causos", em breve haverá o relançamento de outro livro também dele, com personagem da terra, participamos do desfile de blocos do carnaval local, ano passado por iniciativa da professora Meire Bargieri fizemos um mutirão de plantio de flores na entrada do nosso colégio Padre Mário Briatore. E muito mais há que se fazer. Só posso afirmar que as pessoas estão sempre dispostas a ajudar, participar da melhor forma possível e jamais medirão esforços para fazer qualquer coisa em benefício da comunidade e dos interesses da terra. Creio que todos devam visitar a Exposição da memória, que será permanente, e de tempo em tempo terá seus painéis fotográficos e demais objetos trocados, para que o interesse seja renovado.
 
Edição de 2012 / Foto: Whelighton Garcia
 
Dê sua opinião sobre o passado, o presente e o futuro de Salto Grande.
Salto Grande foi o melhor lugar do mundo para ser criança e adolescente. Jogávamos bola no "campão", na única quadra de esportes que havia, nadávamos no nosso fantástico "Panema", dançávamos todos os finais semana no insuperável Clube Náutico. Amávamos os Beatles, os Rolling Stones e sobretudo o Mac Rybell. Éramos felizes e sabíamos muito bem disso. Política, ideológica e culturalmente talvez fossemos absolutamente alienados. A própria ditadura reinante não permitia que o povo esquecido lá nos pobres rincões do sertão paulista, tivesse qualquer tipo de acesso dessa natureza. Aliás, no país inteiro talvez tenha sido assim.
Hoje a comunidade tem acesso irrestrito à todo tipo de informação, o ensino parece ser acessível à grande maioria, os meios de comunicação são presentes em tempo integral na vida de todos e os meios de locomoção são múltiplos. Essa "globalização" certamente permite maior conforto às pessoas e nos possibilita gerenciar de forma mais adequada nossas reais necessidades. Hoje arrumamos um meio de reencontrar velhos e caros amigos. Resgatamos valores do passado, matamos saudades intensas de um tempo de plena felicidade e alegria. "Amigos para sempre" é uma realidade, com graça e benção divinas, talvez nossa maior conquista.
Que o futuro seja de glórias em todos os sentidos. Que haja progresso com responsabilidade e sustentabilidade. Que nossas riquezas naturais sejam exploradas com bom senso e possam reverter benefícios à própria comunidade. E que os "Amigos para sempre" se multipliquem indefinidamente.